domingo, março 29, 2009

CRÔNICA FICTÍCIA, MAS BEM REAL, DE UMA LEITORA EM DIETA

Autora: Érika Romano

Recebi um e-mail que me chamou a atenção. Ele dizia que “a culpa não é da balança". Já me sentindo culpada, cliquei desesperadamente para encontrar qual seria o novo milagre para a perda de peso. Aliás, para esses milagres não há santo. Simplesmente não funcionam. Já segui a risca mais ou menos uns cem milagres, e é exatamente isso: sem milagres. Nenhum funcionou. Claro, afinal o que seria do mercado milionário do emagrecimento se algum funcionasse? Não precisaríamos comprar o outro novo milagre... Bem, voltando ao e-mail... Abri e me deparei com mais uma mulher saradona e um homem com abdômen tanquinho e braços que visivelmente não pertenciam a ele. Abaixo da foto, grandes potes milagrosos. Estes são os potes mágicos! Posso me tornar perfeita se consumi-los, posso ser o que sempre sonhei. A culpa não é da balança, é minha que não consumo os potes mágicos! Corri para o telefone para comprar e “secar", conforme dizia a propaganda, mas pela primeira vez parei para pensar. Comprar o quê? Mais uma frustração? Mais noites com fome devorando galinhas e pastos inteiros. E o prazer? Aliás, cabe prazer em abdômen tanquinho? Dizem em secar? Isso já consegui! Sequei toda a minha despensa, já sequei amizades de anos. Jantares fora? Sequei. Drinks? Não, a seco. Sequer posso sentir o conforto tenro de um chocolate derretendo na boca sedenta de opióides e prazeres extintos. As tortas e bolos com receitas e aromas da infância? Sequei. As deliciosas reuniões familiares ao redor de mesas fartas de carinhos e sorrisos, entre a degustação serena e livre de um prato e outro? Desprezei. O olhar de aprovação da avó a me ver repetir prato que exigiu um suado preparo, dispensei. A alma repleta de nutrientes emotivos circulando sem culpa após a mordida infantil se perdeu no labirinto da culpa. Hoje, só devoro um copo d´agua com a ânsia da satisfação frustrada e a nada chego. Não há comida em minha vida. Há regras que emagrecem.
Desliguei o telefone. Não preciso mais de um pote milagroso que me faça secar. Percebi que já estou seca. Há tempos

terça-feira, março 10, 2009

PARA "ENTENDER" OS OBESOS


No mês de fevereiro, alguns veículos de comunicação como o portal de notícias UOL e BBC Brasil (http://noticias.uol.com.br/bbc/2009/02/26/ult5025u28.jhtm) e o jornal Folha de São Paulo divulgaram o caso do ex-modelo e treinador de academia australiano Paul James, conhecido como “PJ”, de 32 anos. Ele está fazendo uma dieta especial para ganhar 40 kg com o intuito de tentar “entender” melhor seus alunos obesos. O treinador diz que quer manter os quilos adicionais por três meses antes de tentar recuperar seu peso inicial para assim experimentar “na pele” como seus clientes com excesso de peso se sentem e entender por que eles têm dificuldade em perder os quilos extras.

Treinador australiano antes e depois de sua dieta “especial”.

À primeira vista, algumas pessoas podem achar muito nobre de sua parte mudar seu corpo para se “solidarizar” com seus alunos, inclusive futuramente divulgando seus feitos em formato de documentário, conforme planejado. No entanto, lendo um pouco mais suas declarações e atendo-se à sua história, alguns pontos chamam a atenção.
Primeiro: ao se tornar cobaia deste experimento, PJ está arriscando profundamente sua saúde, o que é condenável de qualquer ponto de vista, mesmo com a alegação “ilustre” de estar tentando se solidarizar com seus clientes obesos.
Segundo: não há fórmula mágica que trate a obesidade de maneira 100% eficaz em qualquer pessoa, o que pode ser evidenciado por inúmeros estudos científicos conduzidos de maneira séria, que não foram capazes de encontrar consenso em seus resultados até o momento.
Terceiro: nem todas as pessoas obesas são obesas porque comem muito ou não praticam atividade física. Existem muitos outros fatores envolvidos, como psicológicos e genéticos. Portanto, o experimento de PJ está focando somente uma parte mínima do problema e assumindo que as pessoas são obesas meramente porque comem muito e não se exercitam o suficiente, o que não é verdade.
Quarto: é possível afirmar que grande parte das pessoas obesas não é obesa porque come dez ovos mexidos com bacon e três litros de leite achocolatado no café da manhã, como PJ afirma estar fazendo! Pelo contrário, existem muitas pessoas que, embora acima do peso, alimentam-se sim, muito bem, provando novamente que a alimentação não é o único determinante da condição de excesso de peso e que, em alguns casos, há a possibilidade de se ter saúde mesmo com formas corporais diferentes das consideradas aceitáveis pela maioria das pessoas.
Quinto: o experimento, de gosto bastante duvidoso, não tem caráter tão “nobre” e “altruísta” como se pode pensar. PJ declarou: “Eu quero mostrar que qualquer um pode emagrecer, não importa qual seja o seu peso”. Depois da perda de peso, PJ ainda planeja voltar a ser modelo. Ou seja, o treinador resume qualquer indivíduo a seu peso, ao número exibido na balança, apenas, desconsiderando qualquer característica individual que possa influenciar seu estado nutricional. A seguir, utiliza-se do pressuposto simplista de que só é gordo quem quer e assume que ele invariavelmente conseguirá perder peso, mostrando aos seus clientes obesos que é só preciso um pouco mais de “força de vontade” e “dedicação” para atingir tal objetivo. Caso ele consiga perder esse peso, sua lógica será “se eu consegui você também consegue”. PJ se esquece que ele não é um obeso de verdade, que possui provavelmente uma carga genética diferente, que viveu uma vida inteira sendo discriminado e sentindo os efeitos disso na pele, que tem um metabolismo alterado por não uma, mas sim quinhentas tentativas de perda de peso. De uma forma indireta, ele não está ajudando de forma alguma seus clientes, mas, sim, reafirmando a cultura generalizada e preconceituosa de que todos os gordos são assim por serem sem-vergonhas, preguiçosos e glutões. Desde quando isso ajuda alguém?
Para finalizar, é importante ressaltar que para entendermos e ajudarmos outras pessoas não é necessário ter o mesmo problema que ela. Um oncologista não precisa ter câncer para tratar e dar o devido apoio aos seus pacientes, por exemplo. O sofrimento e as dificuldades de cada um ao enfrentar problemas de saúde (ou de qualquer outra natureza) são muito individuais. Cada um sabe onde aperta o calo. A postura que profissionais de saúde devem ao ter é de abertura, empatia e de não-preconceito. PJ, achando que vai “entender” melhor seus clientes depois de emagrecer os 40 kg que está ganhando, está correndo o risco de entendê-los ainda menos.














Autores: Viviane Polacow, Bárbara Lourenço e Fernanda Scagliusi.