terça-feira, julho 28, 2009

TOPOGRAFIAS DO CORPO











Evento no SESC avenida paulista dia 15 de junho dentro da programação do VIII Congresso de Transtornos Alimentares e Obesidade, realizado de 11-13 de Junho em São Paulo e promovido pelo Programa de Orientação e Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares - PROATA-UNIFESP.
O evento contou com convidados de diversas áreas, que debateram sobre o tema sob os mais variados olhares, na tentativa de abranger o corpo em seus aspectos biológico, antropológico e artístico.
A primeira atividade do evento contou com Claudio Feijó, fotógrafo e psicoterapeuta, que, por meio de suas fotografias, propôs a percepção da linguagem não-verbal, ou seja, no entendimento da figura e do conteúdo por trás da mesma.
Em seguida, o tema “Para não tirar o corpo fora” foi muito bem discutido entre os participantes da mesa de debates. Mediados por Luiz Alberto hetem da Associação Brasileira de psiquiatria, o psiquiatra e psicanalista Armando Barriguete Meléndez do México, o psicanalista Mario Pablo Kucks do Sedes Sapientiae, a nutricionista Regina Amadeu da Costa do PROATA, a também nutricionista Marle Alvarenga do Grupo de Estudos em Nutrição e Transtornos Alimentares – GENTA, e a pesquisadora de moda Cristiane Mesquita do evento “Zigue-zague” discorreram suas opiniões sobre a frase tema e responderam perguntas e dúvidas que suscitaram na platéia ao decorrer da atividade.
Nos dias de hoje, é impossível “tirar o corpo fora” de uma sociedade em que o impacto cultural no corpo o tornou alvo de uma neurose coletiva. Deste modo, observa-se uma dualidade nas relações (individual e coletiva) estabelecidas do indivíduo com os corpos. O amor e o ódio emergentes na composição da aparência e do corpo revelam a colocação paradoxal do mesmo, que atualmente se encontra tão fortalecido como fragmentado, tão exposto quanto blindado e tão visível quanto esquecido.
A tendência cultural define como deve ser o corpo, deste modo agindo como “facilitador” de um corpo tão ideal quanto inatingível, o levando a existir como um corpo plástico, um corpo “objetificado”.
O corpo está ainda onipresente nos problemas patológicos da contemporaneidade. Segundo Freud, o corpo permitia a emersão de sintomas resultantes de conflitos internos, atuando como defesa a questões não verbalizadas. Observa-se atualmente o corpo agindo como defesa para questões tanto internas como externas. Estas últimas são reflexo da contemporaneidade e podem ser exemplificadas por incertezas relacionadas ao trabalho, ao meio ambiente e à família. Assim sendo, o investimento excessivo no corpo atua de modo a esconder a fragilidade do indivíduo contemporâneo e suas angústias.
O corpo também é poder, ou assim lhe é atribuído. Na verdade, o corpo só é poder quando “controlado”. Neste caso podemos observar as modelos, referências de beleza, que controlam seus corpos e os mantém dentro de padrões estabelecidos. Quando isto ocorre, é ignorada a subjetividade do ser humano, resultando em um corpo “decorativo”. Ainda que supostamente controlado, o corpo ajustado aos moldes sociais é, na verdade, privado de seu poder, de sua liberdade e de sua vivência.
Alguns focos deste debate foram:
· Há uma relação de amor X ódio na composição da aparência e corpo, derivando em uma colocação paradoxal do corpo.
· O corpo é tão fortalecido quanto fragilizado, exposto quanto blindado e visível quanto esquecido.
· O impacto sociocultural no corpo causa uma neurose coletiva em relação ao mesmo.
· As reflexões e estudos de cada um sobre o corpo vão permear sua vivência corporal.
· A cultura age como “facilitador” de um corpo ideal, um corpo plástico.
· A renúncia de entender o corpo leva à existência de um corpo objeto.
· A cultura contemporânea leva à onipresença de um corpo “sobreinvestido”.
· Segundo Freud, a histeria era a manifestação de sintomas de conflitos que, na impossibilidade de serem verbalizados, se expressavam por meio do corpo.
· Hoje o corpo atua como defesa tanto de questões internas (como disse Freud) como externas – cultura.
· Ameaça ao suporte narcísico da própria identidade que leva ao investimento excessivo do corpo (tira o corpo das ameaças e vivências de fragilidade).
· O corpo adquiriu novas funções como o poder, transformando-se em uma nova forma de capital.
· O corpo dos dias de hoje só possui poder caso este seja controlado.
· Modelos: controlam o corpo dentro de um padrão.
· A importância do controle do corpo se dá ao mesmo tempo em que houve a perda do controle de outros aspectos na sociedade (família, ambiente).
· O corpo é o emissor de nossa subjetividade.
· Estatização do biológico (Foucault) X Estetização do biológico

Por fim, a antropóloga Moara Passoni apresentou fragmentos de seu filme “Tem um vidro sob minha pele”, ainda em processo de edição. O filme, a respeito do corpo anoréxico a partir da experiência da própria anoréxica, intenta transmitir a poética de tal corpo, com todos os elementos que permeiam a condição. Foram utilizados diários de pessoas com transtorno alimentar para o roteiro.
A idéia foi dar voz do corpo anoréxico, mas na verdade apresentando o corpo como o grande centro ausente do filme - no filme não aparecem corpos e sim imagens que evoquem a memória do corpo, rastros e espaços por onde o corpo anoréxico da diretora viveu. Por meio de núcleos de filmagem e fragmentos acabados é passada a imagem de constelação do corpo anoréxico.

Uma reportagem de Priscila de Moraes Sato e Marle Alvarenga – nutricionistas do Genta
www.genta.com.br
Matéria publicada previamente no site http://www.projetosterapeuticos.com.br

segunda-feira, julho 20, 2009

Carta à revista Veja - considerações a respeito da reportagem "A prova que faltava" (15-07-09)

À equipe de redação da revista Veja
Gostaria de fazer algumas breves considerações a respeito da reportagem “A prova que faltava”, publicada na edição de 15 de julho de 2009. Em primeiro lugar, senti falta no texto da participação de um nutricionista, que de fato é o profissional capacitado e qualificado para estudar e avaliar a relação entre o homem e o alimento. Em segundo lugar, como a revista por si só coloca, não existem estudos controlados a longo prazo com seres humanos que suportem as evidências encontradas nos estudos com animais que foram citados. Seria muito difícil – para não dizer inviável – manter uma dieta bastante restritiva qualitativamente e quantitativamente, como a proposta pelos cientistas na reportagem. Os animais dos estudos não optaram conscientemente por fazer restrição e, portanto, não tiveram que passar pelo estresse psicológico de se controlarem tendo muita comida à disposição, ao contrário das pessoas que fazem dieta. Além disso, são vários os trabalhos científicos que demonstram a ligação inegável entre a prática de dietas e o surgimento de cravings – desejos fortes de consumir algum alimento, principalmente aqueles ricos em açúcar e gordura – e compulsões alimentares, e já se sabe que na etiologia complexa dos transtornos alimentares, fazer dieta é o principal fator precipitante. Finalmente, há de se considerar que a longevidade humana é influenciada por inúmeros fatores, que incluem o bem-estar físico e psicológico. De que vale viver por muitos anos uma vida muito chata? Como bem disse Woody Allen: “Você pode viver 100 anos se desistir de todas as coisas que o fazem querer viver até os 100 anos”.


Atenciosamente,
Ana Carolina Pereira Costa
Estudante de Nutrição e estagiária do AMBULIM – Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas de São Paulo

FINALMENTE INICIA-SE A BATALHA POR UM CORPO SAUDÁVEL !

Um artigo publicado no dia 13 de junho, pela revista britânica The Times, discute a batalha que a editora da Vogue britânica Alexandra Shullman vêm travando contra o “tamanho zero” (“size-zero”). Antes de apresentar o artigo, vale a pena definir aos leitores o que significa esse termo, ou seja, a tendência ao “size-zero” tão em evidência no meio da moda.
Não existe uma tradução correta, mas sim o conceito de garota “size-zero”. Apesar de este termo indicar um tamanho de roupa, que aqui no Brasil equivaleria ao tamanho 32, no mundo da moda ele é usado como uma expressão desta nova tendência de meninas ou mulheres extremamente magras.
O termo começou a ser popularizado, quando organizadores da semana de moda de Madrid utilizaram como critério para participação dos desfiles o índice de massa corporal (IMC), e não as medidas corporais, iniciando um movimento contrário ao “sizer-zero”. A exigência, infelizmente, surgiu somente após o meio da moda enfrentar a morte de três modelos anoréxicas:
Luisel Ramos, Ana Carolina Reston e Eliana Ramos, que tinham IMC menor que 16. Apesar dos riscos, celebridades como Victoria Beckham, Nicole Richie e a atriz indiana Kareena Kapoor ainda adotam e glamourizam a figura de “size-zero”.
O assunto tem gerado muita discussão no meio da moda, e atualmente a iniciativa, ou podemos dizer que a briga que a editora da Vogue vêm travando contra os estilistas de moda, parece ser um início da batalha por um corpo saudável. A editora Alexandra Shulman, considerada uma das figuras mais importantes da indústria multimilionária da moda, mandou uma carta de protesto contra esta atitude aos grandes estilistas, na qual os acusa de incentivar, e de maneira indireta até obrigar, a apresentação de modelos “size-zero” nas revistas de moda. O jornal The Times teve acesso a esta carta, e cita alguns trechos dela em que Shulman diz que como os estilistas só enviam à revista peças minúsculas de roupas para saírem nos editoriais de moda, a revista acaba sendo “obrigada” a trabalhar com modelos “size-zero”, ou nas palavras da editora, “modelos com ossos salientes, sem seios ou quadris”. Ela diz que atualmente a Vogue têm feito com freqüência “retoques” nas fotografias para que as modelos pareçam maiores.
Shulman alega que as roupas criadas pelos estilistas e enviadas para as revistas para serem utilizadas em seus editorais se tornaram “substancialmente pequenas”, e que “agora atingimos o ponto em que muitas das roupas não servem mais em modelos famosas”. Ela relata que as peças de roupas são enviadas às revistas seis meses antes delas aparecerem nas lojas e que os editores não têm escolha a não ser contratar modelos que sirvam nas roupas, pois se não o fizerem, correm o risco de mostrarem as peças mais atuais, das últimas coleções das grandes grifes.
A posição de Alexandra significa um grande avanço, na opinião de modelos, como Erin O’Connor, e especialistas, como Baroness Kingsmill, que coordenou uma pesquisa com apoio do Conselho Britânico sobre a saúde das modelos em 2007. A enorme influência que a editora têm no mundo da moda, pode significar uma abertura para a discussão sobre os padrões de beleza atuais, ajudando desta forma a trabalhar a percepção que as pessoas têm de um corpo saudável, e consequentemente levar a uma melhor aceitação de si mesmas. Sendo assim, a imagem de beleza de meninas ou mulheres “size-zero” mostrada numa revista, que escondem o sofrimento dos transtornos alimentares pode ter seus dias contados, se todos editores de moda forem a favor da causa de Alexandra. Esperamos que isso aconteça, para que finalmente possamos ver uma luz no fim do túnel.
Para acessar a reportagem na íntegra, com comentários dos leitores clique no link abaixo:

quinta-feira, abril 16, 2009

ESPELHO, ESPELHO MEU, SERIA ESSE REFLEXO O MEU ? OU...TOCADAS E RETOCADAS

Autora: Fernanda Timerman
Se você não gosta da sua aparência provavelmente já pensou em tudo o que podia fazer para mudá-la. Já deve ter passado pela sua cabeça obter uma das milagrosas dietas semanais que saem numa das 500 revistas femininas “já nas bancas”. Já deve ter sido seduzida por um dos milagrosos 600 diferentes aparelhos de ginásticas à venda nos canais “shop time”, ou já deve ter se informado sobre uma lipoaspiracãozinha para tirar aquela gordurinha extra. Todo esse nosso esforço para atingir a perfeição vem de onde?

Vamos parar um minuto para pensar....

A gente não se dá conta de como somos sujeitos a milhares de informações diretas e indiretas sobre como deveríamos estar em busca de aperfeiçoamento constantemente, ou seja, de que é errado nos sentirmos bem exatamente do jeito que somos. Existem pesquisas sérias que apontam que mais de 90% das mulheres do mundo inteiro mudariam alguma coisa na aparência, ou seja, estamos fadados ao desgosto, mas por quê?

A indústria da beleza movimenta milhões. Disso não há como ter duvida. Se existe tanta propaganda em torno disso é porque estamos vivendo num sistema que se retro alimenta, com a indústria investindo muito em propagandas e anúncios e com um ótimo retorno dos consumidores sedentos pela última novidade em termos de tecnologia, dieta, aparelho de ginástica, cremes redutores, cirurgia estética, remédios de emagrecimento, suplementos alimentares milagrosos ou qualquer outro tipo de produto que prometa a felicidade através da transformação da sua aparência. Aparentemente aparência virou sinônimo de moeda de troca, só é feliz quem é bonito.

Vamos pensar um pouco mais....

Podemos enumerar diversos motivos, mas tem um que exemplifica bem esse ciclo de busca incessante pela perfeição e pelo impossível: nos baseamos em imagens alteradas por Photoshop e no final das contas, nós somos feitos de carne, osso, músculo e gordura. Esse vídeo (em inglês) mostra um pouco mais sobre isso.

Vejamos:
http://www.youtube.com/watch?v=YP31r70_QNM
Em resumo:

- Segundo o editor de Photoshop, “99%” das fotos são alteradas antes de irem para as revistas. As celebridades até contratam editores particulares para cuidarem da imagem delas;
- As revistas “pré-supõem” que os leitores sabem que as imagens são alteradas, mas, será que eles absorvem ou só o que fica é o desejo de parecer com aquela imagem irreal?
- Chegamos num ponto de tentar alcançar o impossível que está quase fora do controle, gerando diversos problemas psicológicos e físicos, fazendo autoridades pensarem em banir inclusive o uso desse recurso.

*Exemplo:
http://www.news.com.au/dailytelegraph/story/0,22049,24447422-5006010,00.html

A Ministra da Juventude da Austrália (Kate Ellis) está criando o “Victorian”, um código de conduta nacional (que será complementado por campanhas de promoção da imagem corporal positiva) para tentar combater o uso de modelos muito magras ou mesmo o uso de Photoshop. Espera-se com isso uma diminuição no índice de transtornos alimentares e insatisfação corporal.

Pense nisso, não perca seu precioso tempo tentando ser uma imagem de computador!

domingo, março 29, 2009

CRÔNICA FICTÍCIA, MAS BEM REAL, DE UMA LEITORA EM DIETA

Autora: Érika Romano

Recebi um e-mail que me chamou a atenção. Ele dizia que “a culpa não é da balança". Já me sentindo culpada, cliquei desesperadamente para encontrar qual seria o novo milagre para a perda de peso. Aliás, para esses milagres não há santo. Simplesmente não funcionam. Já segui a risca mais ou menos uns cem milagres, e é exatamente isso: sem milagres. Nenhum funcionou. Claro, afinal o que seria do mercado milionário do emagrecimento se algum funcionasse? Não precisaríamos comprar o outro novo milagre... Bem, voltando ao e-mail... Abri e me deparei com mais uma mulher saradona e um homem com abdômen tanquinho e braços que visivelmente não pertenciam a ele. Abaixo da foto, grandes potes milagrosos. Estes são os potes mágicos! Posso me tornar perfeita se consumi-los, posso ser o que sempre sonhei. A culpa não é da balança, é minha que não consumo os potes mágicos! Corri para o telefone para comprar e “secar", conforme dizia a propaganda, mas pela primeira vez parei para pensar. Comprar o quê? Mais uma frustração? Mais noites com fome devorando galinhas e pastos inteiros. E o prazer? Aliás, cabe prazer em abdômen tanquinho? Dizem em secar? Isso já consegui! Sequei toda a minha despensa, já sequei amizades de anos. Jantares fora? Sequei. Drinks? Não, a seco. Sequer posso sentir o conforto tenro de um chocolate derretendo na boca sedenta de opióides e prazeres extintos. As tortas e bolos com receitas e aromas da infância? Sequei. As deliciosas reuniões familiares ao redor de mesas fartas de carinhos e sorrisos, entre a degustação serena e livre de um prato e outro? Desprezei. O olhar de aprovação da avó a me ver repetir prato que exigiu um suado preparo, dispensei. A alma repleta de nutrientes emotivos circulando sem culpa após a mordida infantil se perdeu no labirinto da culpa. Hoje, só devoro um copo d´agua com a ânsia da satisfação frustrada e a nada chego. Não há comida em minha vida. Há regras que emagrecem.
Desliguei o telefone. Não preciso mais de um pote milagroso que me faça secar. Percebi que já estou seca. Há tempos

terça-feira, março 10, 2009

PARA "ENTENDER" OS OBESOS


No mês de fevereiro, alguns veículos de comunicação como o portal de notícias UOL e BBC Brasil (http://noticias.uol.com.br/bbc/2009/02/26/ult5025u28.jhtm) e o jornal Folha de São Paulo divulgaram o caso do ex-modelo e treinador de academia australiano Paul James, conhecido como “PJ”, de 32 anos. Ele está fazendo uma dieta especial para ganhar 40 kg com o intuito de tentar “entender” melhor seus alunos obesos. O treinador diz que quer manter os quilos adicionais por três meses antes de tentar recuperar seu peso inicial para assim experimentar “na pele” como seus clientes com excesso de peso se sentem e entender por que eles têm dificuldade em perder os quilos extras.

Treinador australiano antes e depois de sua dieta “especial”.

À primeira vista, algumas pessoas podem achar muito nobre de sua parte mudar seu corpo para se “solidarizar” com seus alunos, inclusive futuramente divulgando seus feitos em formato de documentário, conforme planejado. No entanto, lendo um pouco mais suas declarações e atendo-se à sua história, alguns pontos chamam a atenção.
Primeiro: ao se tornar cobaia deste experimento, PJ está arriscando profundamente sua saúde, o que é condenável de qualquer ponto de vista, mesmo com a alegação “ilustre” de estar tentando se solidarizar com seus clientes obesos.
Segundo: não há fórmula mágica que trate a obesidade de maneira 100% eficaz em qualquer pessoa, o que pode ser evidenciado por inúmeros estudos científicos conduzidos de maneira séria, que não foram capazes de encontrar consenso em seus resultados até o momento.
Terceiro: nem todas as pessoas obesas são obesas porque comem muito ou não praticam atividade física. Existem muitos outros fatores envolvidos, como psicológicos e genéticos. Portanto, o experimento de PJ está focando somente uma parte mínima do problema e assumindo que as pessoas são obesas meramente porque comem muito e não se exercitam o suficiente, o que não é verdade.
Quarto: é possível afirmar que grande parte das pessoas obesas não é obesa porque come dez ovos mexidos com bacon e três litros de leite achocolatado no café da manhã, como PJ afirma estar fazendo! Pelo contrário, existem muitas pessoas que, embora acima do peso, alimentam-se sim, muito bem, provando novamente que a alimentação não é o único determinante da condição de excesso de peso e que, em alguns casos, há a possibilidade de se ter saúde mesmo com formas corporais diferentes das consideradas aceitáveis pela maioria das pessoas.
Quinto: o experimento, de gosto bastante duvidoso, não tem caráter tão “nobre” e “altruísta” como se pode pensar. PJ declarou: “Eu quero mostrar que qualquer um pode emagrecer, não importa qual seja o seu peso”. Depois da perda de peso, PJ ainda planeja voltar a ser modelo. Ou seja, o treinador resume qualquer indivíduo a seu peso, ao número exibido na balança, apenas, desconsiderando qualquer característica individual que possa influenciar seu estado nutricional. A seguir, utiliza-se do pressuposto simplista de que só é gordo quem quer e assume que ele invariavelmente conseguirá perder peso, mostrando aos seus clientes obesos que é só preciso um pouco mais de “força de vontade” e “dedicação” para atingir tal objetivo. Caso ele consiga perder esse peso, sua lógica será “se eu consegui você também consegue”. PJ se esquece que ele não é um obeso de verdade, que possui provavelmente uma carga genética diferente, que viveu uma vida inteira sendo discriminado e sentindo os efeitos disso na pele, que tem um metabolismo alterado por não uma, mas sim quinhentas tentativas de perda de peso. De uma forma indireta, ele não está ajudando de forma alguma seus clientes, mas, sim, reafirmando a cultura generalizada e preconceituosa de que todos os gordos são assim por serem sem-vergonhas, preguiçosos e glutões. Desde quando isso ajuda alguém?
Para finalizar, é importante ressaltar que para entendermos e ajudarmos outras pessoas não é necessário ter o mesmo problema que ela. Um oncologista não precisa ter câncer para tratar e dar o devido apoio aos seus pacientes, por exemplo. O sofrimento e as dificuldades de cada um ao enfrentar problemas de saúde (ou de qualquer outra natureza) são muito individuais. Cada um sabe onde aperta o calo. A postura que profissionais de saúde devem ao ter é de abertura, empatia e de não-preconceito. PJ, achando que vai “entender” melhor seus clientes depois de emagrecer os 40 kg que está ganhando, está correndo o risco de entendê-los ainda menos.














Autores: Viviane Polacow, Bárbara Lourenço e Fernanda Scagliusi.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

O PERIGO DA ADOÇÃO DE DIETAS


Frequentemente, jornais e revistas abordam o tema “dieta”. O mais curioso é que um mesmo veículo costuma publicar matérias totalmente contraditórias sobre o assunto. Uma semana falam sobre os benefícios da dieta X, para, na semana seguinte, dizer que a tal dieta não funciona e o que resolve mesmo é a dieta Y. É claro que isto só acaba por confundir o leitor leigo no assunto, além de não alertar sobre os potencias riscos na adoção de dietas. Desta forma, os meios de comunicação prestam um desserviço à população, ao invés de esclarecer, só confundem mais. Portanto, é interessante destacar quando vemos notícias que podem ajudar a população, ao invés de atrapalhar. O jornal Folha de São Paulo publicou em agosto uma matéria que alerta sobre o perigo das dietas da moda. Tal matéria teve como motivação a indenização de uma mulher de 52 anos britânica que sofreu danos cerebrais ao seguir uma dieta dita de desintoxicação. “A Incrível Dieta da Hidratação” (“Amazing Hydration Diet”) pode levar a sérios distúrbios eletrolíticos, devido ao enorme consumo de água (5 litros diários) e restrição do consumo de sódio (presente no sal).
Embora condenadas pelos profissionais de saúde, as dietas da moda continuam sendo muito procuradas. A cada mês surgem novas dietas, ou até “ressucitam” antigas dietas, somente com um novo nome. É o que ocorreu com a “Dieta da Proteína”. De autoria de Robert Atkins, fez sucesso na década de 70, prometendo rápida perda de peso às custas de restrição rigorosa de carboidratos e grande consumo de proteína. Mais recentemente, tal dieta voltou a ser lançada, com novo nome, ou até mesmo por meio de uma variedade mais “branda”, como a “Dieta de South Beach”. A adoção da “Dieta da Proteína” pode levar à perda de massa muscular, aumento das concentrações de colesterol e comprometimento da função renal. Além disso, a restrição de carboidratos leva a alterações do humor, dores de cabeça, mau-hálito, obstipação intestinal e redução da tolerância à atividade física.
Outra dieta da moda que ficou famosa nos últimos anos é a “Dieta do Tipo Sanguíneo”, de autoria de Peter J D’Adamo, que prega que cada tipo sangüíneo requer tipos diferentes de alimentos, ou até mesmo a exclusão total de alguns deles. O curioso é que o autor, que provavelmente já vendeu milhares de livros às custas da crença e ingenuidade alheias (e, claro, de um bom trabalho de marketing), não possui sequer um trabalho publicado sobre este assunto em revistas científicas confiáveis. Portanto, além de não possuir nenhum embasamento científico, esta dieta ainda pode levar a restrições perigosas de alimentos importantes para a manutenção da saúde.
Atualmente, têm feito muito sucesso, inclusive com divulgação pela internet, as dietas de “desintoxicação” (segundo a matéria da Folha de São Paulo, foram encontradas 1050 páginas a internet sobre o tema). O objetivo seria “limpar” o organismo das “toxinas” resultantes do metabolismo de alimentos “não-saudáveis” e, claro, causar perda de peso. O excesso de aspas aqui se justifica pelo seguinte: primeiro, nosso corpo não fica “sujo” devido à ingestão de alimentos, o que ocorre é que o nosso organismo metaboliza os nutrientes encontrados nos alimentos e, naturalmente, possui mecanismos de eliminação daquilo que não será utilizado. O fígado é um dos órgãos responsáveis por esta metabolização. Segundo, em relação às “toxinas”, nenhum alimento é tóxico ao organismo, a não ser que esteja literalmente estragado. Neste caso (o da intoxicação alimentar), o nosso organismo também reage naturalmente, se houver necessidade, por meio dos já conhecidos sintomas de intoxicação alimentar, como vômitos e diarréia (que por si só já são bastante perigosos à saúde). Por fim, não existem alimentos “não-saudáveis”. Todos os alimentos, inclusive os mais condenados (como doces, açúcar e guloseimas), podem fazer parte de uma alimentação saudável, desde que em equilíbrio com os demais.
As dietas ditas de desintoxicação são, portanto, mais uma tentativa de se vender uma nova promessa de saúde e perda de peso milagrosa. As suas conseqüências podem variar desde fraqueza e distúrbios gastrointestinais até arritmias cardíacas e alterações metabólicas graves que podem levar à morte por perda e desequilíbrio hidroeletrolítico (principalmente envolvendo o sódio, potássio e magnésio). Para aqueles que ainda acreditam que vale a pena arriscar tudo para perder peso, este tipo de dieta leva somente à perda por desidratação, transitória e rapidamente recuperada, lembrando que grandes oscilações no volume sangüíneo podem promover maior retenção hídrica (inchaço). É o famoso caso do tiro que sai pela culatra.
Finalizando, é sempre bom enfatizar que, se existisse pelo menos uma dieta que funcionasse, não existiriam tantos livros e revistas semanais sobre o tema!

Texto: Viviane Ozores Polacow

domingo, fevereiro 15, 2009

CARTA ENCAMINHADA AO GAROTA FANTÁSTICA

Domingo passado (8 de fevereiro) vocês exibiram mais um episódio do quadro "Menina Fantástica". Desta vez vocês colocaram, na casa onde as garotas estão, duas geladeiras: uma com alimentos "permitidos" para as modelos, selecionados por uma nutricionista, e outra com alimentos "proibidos" ou "engordativos". Depois denunciaram que uma das participantes estava com uma alimentação extremamente restrita e até foram exibidos depoimentos das concorrentes. Como profissionais e estudantes de nutrição ficamos chocadas, por dois motivos.
Inicialmente porque não existem alimentos "proibidos" ou "permitidos", "ruins" ou "bons", "que emagrecem" ou "engordativos". A chave para uma alimentação equilibrada é justamente a combinação de todos os grupos de alimentos (cereais, laticínios, legumes, verduras, frutas, leguminosas, carnes, doces, gorduras etc), ainda mais na idade em que estas meninas estão! O importante é ajustar a quantidade e frequência dos alimentos. Só isso. Inclusive a Associação Americana de Nutrição preconiza que os nutricionistas não classifiquem os alimentos isoladamente e sim falem da alimentação como um todo, evitando condenar ou glorificar alimentos específicos.
O segundo motivo pelo qual o programa me desagradou foi pelo fato de que houve uma crítica a respeito da alimentação de uma das participantes (aquela comia pouco), sendo que elas estão vivendo nesse ambiente que reforça a preocupação exagerada, radical e distorcida com a alimentação. Como vocês puderam criticar alguém por algo que vocês mesmos construíram dentro do programa? Lembramos da época em que uma modelo brasileira morreu de anorexia nervosa. Todos os meios de comunicação criticaram a indústria da moda, mas esqueceram da sua responsabilidade por terem massificado e divulgado uma cultura que prioriza a magreza e a beleza acima de todas as outras características sociais e que acredita que uma dieta restritiva (com essa visão de alimentos ruins X bons) é saudável. Não basta ter uma nutricionista e uma cozinheira no programa, é necessário trabalhar os valores e significados que a alimentação e o corpo têm nessas situações. Se os profissionais envolvidos agem conforme os ditames da ditadura da beleza, a promoção da saúde e a prevenção de doenças tornam-se inviáveis.
Thaís Leão - Estudante de Nutrição FSP/USP - aluna do curso júnior de transtornos alimentares do AMBULIM

segunda-feira, janeiro 19, 2009

MANEQUIM SOB MEDIDA




Ao longo do tempo, a imagem feminina foi construída de várias formas, controlando o público feminino por meio de estereótipos que traduzem, ao final, o padrão de beleza vigente. De acordo com o padrão atual, a “mulher ideal” é linda, jovem e necessariamente magra. Nesse contexto, não há dúvida de que a indústria da moda exerce grande influência sobre o que se entende a respeito de padrão de beleza em nossa sociedade. Pode-se dizer que essa influência inicia-se com a utilização de modelos em desfiles e catálogos variados, e deve ser considerada também no momento da comercialização das peças de roupas aos consumidores finais.
A imagem das modelos do mundo da moda é empregada em vários espaços do cotidiano e afeta o dia-a-dia de um grande número de indivíduos. Apesar de servirem fundamentalmente como cabides humanos e de exibirem formas corporais que denotam condições de baixo peso e desnutrição, essas mulheres são frequentemente interpretadas como padrão a ser imitado e como fonte de inspiração a grande parcela da população.
Em uma outra faceta, deve-se considerar que todas as peças de roupas diariamente comercializadas às “pessoas comuns” são distinguidas por tamanhos (PP, P, M, G, GG, ou 36, 38, 40, 42, 44, 46 e assim por diante). A existência de tal distinção é indispensável para que o processo de compra e venda aconteça e atenda pessoas com formas corporais variadas, mas, ao contrário do que se possa pensar, não há um critério pré-estabelecido para que uma calça, por exemplo, seja marcada uniformemente por todas as grifes e confecções como “tamanho 40”. Cada empresa tem a liberdade de estabelecer o seu padrão de numeração, de acordo com o tipo físico do público que deseja atingir, como consta na reportagem Manequim sob medida, de Regiane Monteiro (
http://guiadasemana.uol.com.br/noticias.asp?/MULHER/SAO_PAULO/&a=1&ID=15&cd_news=39661&cd_city=1). Por isso, é bastante grande a possibilidade de uma mesma pessoa vestir um short tamanho 38 em uma loja e tamanho 42 no estabelecimento seguinte.
Mesmo assim, especialmente entre mulheres, os tamanhos das roupas adquiridas são utilizados como parâmetro para aferir a adequação das formas corporais. Em bate-papos entre amigas, é comum haver relatos de sensações (ilusórias) de contentamento por vestir um número abaixo do normalmente praticado e de desespero quando apenas peças de números acima servem. Acompanhando esse desespero, invariavelmente são planejadas ações inadequadas para alterar o padrão alimentar e de atividade física, ansiando recuperar ou reduzir as medidas, sem considerar que a alteração constatada pode ser devida à numeração não padronizada.
A falta de padrão na marcação de roupas é um problema a ser considerado e solucionado em breve, conforme discute a reportagem citada previamente. Entretanto, problema muito maior, que merece mais destaque e espaço para discussão atualmente, é aquele referente à estigmatização do uso de tamanhos de roupa maiores que o difundido pelo padrão de beleza das modelos do mundo da moda, o qual, na realidade, tem apenas um caráter simbólico, sendo inatingível para a maioria das mulheres. Problema maior é a necessidade de vestir sempre os menores manequins, sem se preocupar com a boa saúde. É preciso refletir sobre a obrigação de encontrar roupas em que “se caiba”, ao invés de escolher peças que tenham caimento adequado em cada um, fazendo com que as pessoas se sintam bem ao valorizarem as características e os atributos individuais, independentemente de se aparentar alta ou baixa, gorda ou magra, branca ou negra, loira ou morena.