terça-feira, março 10, 2009

PARA "ENTENDER" OS OBESOS


No mês de fevereiro, alguns veículos de comunicação como o portal de notícias UOL e BBC Brasil (http://noticias.uol.com.br/bbc/2009/02/26/ult5025u28.jhtm) e o jornal Folha de São Paulo divulgaram o caso do ex-modelo e treinador de academia australiano Paul James, conhecido como “PJ”, de 32 anos. Ele está fazendo uma dieta especial para ganhar 40 kg com o intuito de tentar “entender” melhor seus alunos obesos. O treinador diz que quer manter os quilos adicionais por três meses antes de tentar recuperar seu peso inicial para assim experimentar “na pele” como seus clientes com excesso de peso se sentem e entender por que eles têm dificuldade em perder os quilos extras.

Treinador australiano antes e depois de sua dieta “especial”.

À primeira vista, algumas pessoas podem achar muito nobre de sua parte mudar seu corpo para se “solidarizar” com seus alunos, inclusive futuramente divulgando seus feitos em formato de documentário, conforme planejado. No entanto, lendo um pouco mais suas declarações e atendo-se à sua história, alguns pontos chamam a atenção.
Primeiro: ao se tornar cobaia deste experimento, PJ está arriscando profundamente sua saúde, o que é condenável de qualquer ponto de vista, mesmo com a alegação “ilustre” de estar tentando se solidarizar com seus clientes obesos.
Segundo: não há fórmula mágica que trate a obesidade de maneira 100% eficaz em qualquer pessoa, o que pode ser evidenciado por inúmeros estudos científicos conduzidos de maneira séria, que não foram capazes de encontrar consenso em seus resultados até o momento.
Terceiro: nem todas as pessoas obesas são obesas porque comem muito ou não praticam atividade física. Existem muitos outros fatores envolvidos, como psicológicos e genéticos. Portanto, o experimento de PJ está focando somente uma parte mínima do problema e assumindo que as pessoas são obesas meramente porque comem muito e não se exercitam o suficiente, o que não é verdade.
Quarto: é possível afirmar que grande parte das pessoas obesas não é obesa porque come dez ovos mexidos com bacon e três litros de leite achocolatado no café da manhã, como PJ afirma estar fazendo! Pelo contrário, existem muitas pessoas que, embora acima do peso, alimentam-se sim, muito bem, provando novamente que a alimentação não é o único determinante da condição de excesso de peso e que, em alguns casos, há a possibilidade de se ter saúde mesmo com formas corporais diferentes das consideradas aceitáveis pela maioria das pessoas.
Quinto: o experimento, de gosto bastante duvidoso, não tem caráter tão “nobre” e “altruísta” como se pode pensar. PJ declarou: “Eu quero mostrar que qualquer um pode emagrecer, não importa qual seja o seu peso”. Depois da perda de peso, PJ ainda planeja voltar a ser modelo. Ou seja, o treinador resume qualquer indivíduo a seu peso, ao número exibido na balança, apenas, desconsiderando qualquer característica individual que possa influenciar seu estado nutricional. A seguir, utiliza-se do pressuposto simplista de que só é gordo quem quer e assume que ele invariavelmente conseguirá perder peso, mostrando aos seus clientes obesos que é só preciso um pouco mais de “força de vontade” e “dedicação” para atingir tal objetivo. Caso ele consiga perder esse peso, sua lógica será “se eu consegui você também consegue”. PJ se esquece que ele não é um obeso de verdade, que possui provavelmente uma carga genética diferente, que viveu uma vida inteira sendo discriminado e sentindo os efeitos disso na pele, que tem um metabolismo alterado por não uma, mas sim quinhentas tentativas de perda de peso. De uma forma indireta, ele não está ajudando de forma alguma seus clientes, mas, sim, reafirmando a cultura generalizada e preconceituosa de que todos os gordos são assim por serem sem-vergonhas, preguiçosos e glutões. Desde quando isso ajuda alguém?
Para finalizar, é importante ressaltar que para entendermos e ajudarmos outras pessoas não é necessário ter o mesmo problema que ela. Um oncologista não precisa ter câncer para tratar e dar o devido apoio aos seus pacientes, por exemplo. O sofrimento e as dificuldades de cada um ao enfrentar problemas de saúde (ou de qualquer outra natureza) são muito individuais. Cada um sabe onde aperta o calo. A postura que profissionais de saúde devem ao ter é de abertura, empatia e de não-preconceito. PJ, achando que vai “entender” melhor seus clientes depois de emagrecer os 40 kg que está ganhando, está correndo o risco de entendê-los ainda menos.














Autores: Viviane Polacow, Bárbara Lourenço e Fernanda Scagliusi.

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